top of page

 "Um fato explicável e outro inexplicável rondam a história de Batatinha. O explicável é que tenha gravado tão pouco, pois não era, na acepção completa do termo, um cantor. O inexplicável é que tão poucos artistas tenham gravado o criador de alguns dos sambas mais pungentes que já se fizeram. O disco "Diplomacia" revoluciona o explicável e mantém o inexplicável. Mantém porque os convidados que ali estão são os que de há muito tempo o reverenciam. Revoluciona porque é um achado quanto à voz de Batatinha. Pela primeira vez nos poucos registros que deixou gravados, o cantor transfere integralmente à interpretação a dor que sempre imprimiu às composições. A voz fraquinha, a prosaica caixinha de fósforo, as inflexões engraçadas, os chiados, talvez até o peso da doença tornam mais sentidas a tristeza verbal proferidas pelo cantor.

 

   "Diplomacia, álbum póstumo do baiano Oscar da Penha (1924-1997), o Batatinha, chegou ao mercado mais de dois anos depois de ter sido iniciado pelo próprio artista. Torna-se, segundo seus produtores, os também baianos J. Velloso e Paquito, uma tentativa a mais de tornar nacional o nome do sambista, quase sempre restrito à própria Bahia. Batatinha morreu de câncer pouco depois de ter terminado de gravar as 12 faixas que canta em "Diplomacia". As outras cinco faixas são interpretadas por Maria Bethânia, Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Jussara Silveira. 

 

   É a estreia na produção dos compositores e parceiros Paquito e J. Velloso. "Fomos produzir porque não surgiu ninguém disposto a fazer isso. Começamos como fãs, sabendo da importância dele, procurando realçar suas melodias e suas letras", diz J. Velloso. Ele explica o processo de confecção do CD, no início sob o desígnio de Batatinha: "Ele não tinha nenhum controle sobre sua obra, não registrava nada, só na memória. Fomos pedindo para ele lembrar as canções com um gravadorzinho, em casa. Acabamos gravando mais de 70 músicas".


   No curto prólogo "Depois Eu Volto", Batatinha já começa cuspindo fogo: "É Carnaval, é hora de sambar/ peço licença ao sofrimento/ depois eu volto pra meu lugar". Sem respiro, emenda "Conselheiro", letrada por Paulo César Pinheiro, faixa que rende um momento particularmente emocionante do disco. 

   Pela poesia ou pela forma de interpretar, Batatinha deve ser entronizado à tradição de Cartola, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola (que ele admirava e homenageou na música "Ministro do Samba", presente no CD), mas também a da marginália paulista de Geraldo Filme e a do canto primevo de Clementina de Jesus.

 

​  Estão também no CD, cantando com ele a brejeira faixa "De Revólver Não", o contemporâneo Riachão e seus seguidores Nelson Rufino, Edil Pacheco e Walmir Lima. A música revela uma história verídica de um sujeito que queria pescar com revólver, expõe a pouco lembrada face bem-humorada de Batatinha que também se dá em "Jajá da Gamboa" ("Mas a cabrocha é boa/ apesar de ser coroa/ mas o Jajá da Gamboa /  é o dono da situação) e, acima de tudo, na antológica "Bebé Diferente": "Muito bebé chora, chora pra comer/ muito bebé chora, chora pra valer/ eu como sou um bebé diferente diferente/ quando choro, quero aguardente". Mas, acredite, a alegre marchinha é muito triste. Assim era Batatinha, e "Diplomacia" é belíssimo epitáfio."

BATATINHA - DIPLOMACIA
Produzido por J. Velloso e Paquito, 1998

Folha São Paulo, quinta, 14 de maio de 1998

editado por Mirella Medeiros 

 Sobre a produção desse disco, J. Velloso conta: 

   "Na época, final do século passado, eu, Paquito e Jorge Portugal escrevemos textos, que saíram na revista cultural do Jornal A Tarde, nos quais cada um de nós comentamos o crescimento da música comercial na Bahia. Hoje já não tenho a mesma opinião contida no texto que escrevo na época, mas nasceu em mim um desejo de que um outro tipo de música fosse produzida na Bahia. Logo depois disso, Paquito iria se inscrever, já pela segunda vez, no Prêmio Braskem de Música que concedia ao vencedor a produção de um CD. Sugeri que déssemos entrada para concorrer com um projeto para ´produzir um disco de Batatinha, pois ele representaria muito bem o que questionávamos no momento. Paquito aceitou e assim fizemos. Ele retirou o seu projeto para a darmos entrada com o CD “Diplomacia”. Pedi a Maria Bethânia um documento confirmando que ela participaria do projeto. Na época eu tinha pouca experiência como produtor musical, tinha apenas auxiliado a produção do CD da Novena de Nossa Senhora Da Purificação, produzido por Roberto Sant’Ana, mas Paquito já tinha experiência, por ter gravado e produzido um disco da sua banda “Flores do Mal”.

   Explicamos a Batatinha a ideia do CD e ele gostou. Demos a ele toda liberdade para discutir com a gente como seria o trabalho. Do repertório à criação do encarte e capa, ele participou. Sugerimos a ideia do som que queríamos e ele aprovou. Nos reunimos ,cerca de umas cinco vezes,, no meu Consultório Veterinário Acauã, na garagem lá de casa, para gravar num gravador de fita cassete os sambas que ele recordava. Seguimos uma ordem cronológica das memórias dele, para que a gente pudesse ouvir tudo que ele lembrasse, pois, como muitos artistas, Batatinha não tinha nenhuma organização com sua obra.

bottom of page